Um Passeio no Jardim da Vingança

Um Passeio no Jardim da Vingança

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Leia aqui o prólogo do livro:

A mão suja estatelou-se contra o vidro, acordando-o para a realidade. Assustado, encolheu o corpo e olhou para o lado, vendo o rastro dos dedos engordurados emoldurarem a cabeça magra. Os olhos saltados moviam-se colados ao vidro, esquadrinhando o interior do carro. Era apenas uma criança, mas ficou feliz pelo vidro que os separava. Olhou para o sinal, que permanecia vermelho. Um reflexo, que se recusava a desaparecer, de quando precisava dirigir. Ficava ansioso por não participar da condução. Podia assumir o controle manual, mas, então, qual seria a vantagem de pagar o dobro pelo carro automatizado? O pequeno orgulho por cada cintilar de inveja nos rostos anônimos da rua não valia o preço. Ou valia? De qualquer modo, permanecia a intranquilidade com cada expectativa de freada ou de desvio. Na verdade, nunca conseguira ler ou mesmo acessar a rede calmamente, enquanto o carro fazia o seu trabalho. Jamais descontraído e com um pequeno sorriso nos lábios, como no vídeo de divulgação do modelo. Dentro do carro, seus únicos momentos de relaxamento eram os curtos períodos nos quais ele permanecia parado, como aquele que acabara de ser interrompido.

Os olhos, agora, fixavam-se nele, como se pudessem ver através do vidro reflexivo. A mão fazia sinal para que o vidro fosse abaixado. A outra mão prensou, com mesma força, uma Bíblia contra o vidro. Nela, além do título dourado e semiapagado contra a suja capa de plástico, um símbolo. Um peixe traçado em uma só linha. Olhou ao redor para ver se a criança estava acompanhada. Ninguém, aparentemente, à vista. Moveu a cabeça em um não mudo, como se a criança pudesse vê-lo. O carro subitamente se moveu, tornando a figura um borrão. Olhou para trás e a viu parada, no meio do trânsito, com a Bíblia ainda erguida. Forçou-se a se conectar à rede e esqueceu-a.

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