Para que serve o pai.

Para que serve o pai.

Download desta crônica em PDF

Era uma fase confusa.

Era o penúltimo ano da faculdade e estava solteiro. Em tese. Desconsiderados outros aspectos e relacionamentos colaterais, digamos, complicadores dessa história, mantinha um relacionamento à distância, com uma menina que morava em outro Estado. E gostava dela. Bastante.

Vivíamos as trevas do período pré-internet. Não havia comunicação on-line, celular, chat, nudes e outras facilidades. A comunicação era através de telefonemas interurbanos, em ligações chiadas e caríssimas. Também havia cartas (sim, aquelas escritas à mão, como se vê sem filmes de intrigas passadas na idade média). E telegramas. O telegrama era um capítulo à parte. Para quem nunca viu, ele equivalia (e ainda equivale, pois ele resiste) a um SMS datilografado em papel ruim e entregue na casa do destinatário por correio. Era reservado para mensagens urgentes e breves, como “maria morreu enterro amanhã manhã”. Não havia o menor romantismo em mandar para alguém um telegrama com “te amo saudade”. Se você recebesse uma mensagem assim, provavelmente tinha escolhido mal o seu parceiro ou parceira.

E o meu relacionamento não ia bem. Aliás, convenhamos, não tinha como ir bem. Nós éramos jovens, cheios de vida e hormônios, e não nos víamos. Muitos apaixonados românticos e que estão lendo este texto discordarão, mas ficar com a cara metade em uma sala, ao menos de vez em quando, é requisito básico para um relacionamento feliz. É pressuposto até para um relacionamento infeliz.

Enfim, os amantes insistem em coisas loucas e insistíamos em tentar manter aquele quase-namoro à distância. Até que, em determinado momento, eu notei estar insistindo mais do que ela. As cartas já não eram mais tão frequentes. Não havia mais o choro dela no final das conversas pelo telefone. Os próprios telefonemas ficaram mais espaçados. Lá pelas tantas, a nossa relação parecia aqueles balões no dia seguinte à festa. Murchos e esquecidos em um canto do salão.

Assolado pelas dúvidas (olhando retrospectivamente, quanta ingenuidade), resolvi tomar uma atitude. Liguei para ela e perguntei se ainda me amava. Ela, claro, respondeu que sim.

Nunca fui de comentar detalhes da minha vida amorosa, principalmente, com os meus pais. Embora tivesse intimidade com o meu pai, não me lembro de sentar com ele para falar do que estava sentindo por alguém, pedir conselho amoroso ou algo do gênero. Claro, havia aqueles conselhos preventivos e frases genéricas de sabedoria popular, como “namoro de praia se enterra na areia”. Nada, contudo, de abrir o coração e pedir conselhos.

Naqueles dias, minha mãe deve ter visto meu abatimento e perguntou o que estava ocorrendo. Eu dei a ela um breve resumo.

Estava indo para a faculdade e meu pai arrumava alguma coisa no carro, quando ele me chamou. Óbvio que a minha mãe havia repassado a ele o resumo. Seu comentário foi simples.

— Filho, só quero te dizer uma coisa. Se tens que perguntar para uma pessoa se ela te ama, é porque ela não ama.

Deu-me um beijo, virou as costas e continuou trabalhando.

Foi uma injeção de sabedoria e experiência na veia.

Menos de uma semana depois, o meu relacionamento estava acabado.

Pai é para estas coisas.

Comentários