Os nerds, o apocalipse e a distopia

Os nerds, o apocalipse e a distopia

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Eu sou um nerd antigo. Do tempo em que nosso mundo se restringia a revistas em quadrinhos e a desenhos ou animações de monstros japoneses transmitidas e repetidas ilimitadamente por um dos cinco ou seis canais de televisão existentes.

Éramos assim, catadores de migalhas ficcionais que os ricos moradores do hemisfério norte deixavam escapar para baixo da linha do Equador.

Com o tempo, o nosso deserto da desinformação foi diminuindo. O computador, as revistas, os livros, os games, e, por fim, a Internet.

Ah, a Internet!

Rasgou a barriga do controle da informação, deixando que os filhos delas se espalhassem pela terra, assim como Zeus fez com o seu pai, Cronos. (Não esperávamos que, desse espalhamento, resultassem tantos imbecis, mas isso é objeto de outra crônica.)

No atual epílogo do mundo que foi − e enquanto estamos isolados, imaginando quando voltaremos e como será o mundo do porvir −, senti a parcela nerd da minha personalidade gradualmente tentar assumir o controle. E resolvi que sim, estava na hora dela.

Assim como as baratas no inverno nuclear, nada mais preparado para enfrentar um cenário apocalíptico do que um nerd. Sociedades se esfacelando, utilização de recursos escassos, resiliência, esperança… O mundo nerd é um grande palco de preparação em técnicas e táticas de sobrevivência. Extinção do mundo por doenças, terremotos, alienígenas, magia, zumbis? Conhecemos todos de cor, com muitas variações.

Nerds, em regra, já não saem muito de casa. Conseguem viver em bolhas de conteúdo que, paradoxalmente, os mantém conectados a outros locais, pessoas e universos, reduzindo os efeitos nocivos do isolamento social.

É claro que, para os nerds brasileiros, não bastava uma pandemia apocalítica. Isso seria pouco. Tínhamos que enfrentar, ao mesmo tempo, uma distopia política. Políticos que exaltam torturadores e ditadores. Governantes que negam a existência da pandemia. Brancos de classe média saindo em passeata pelo direito de infectarem seus empregados.

O vírus se espalhou em uma sociedade que já estava doente, para então levá-la definitivamente à UTI.

Mas ela sobreviverá. Nós sabemos como. Fomos treinados para isso. As marcas ficarão, mas sobreviveremos.

Primeiro de tudo, vamos superar o vírus.

E depois?

Depois cuidaremos dos demais.

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