Aquele momento no qual a sua vida muda

Aquele momento no qual a sua vida muda

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A vida tem momentos cruciais. Segundos, às vezes frações de segundos, em que tudo muda. Encruzilhadas que alteram o seu rumo.

Você está vendo um filme e toca o telefone. Atende com aquela voz de quem está sendo incomodado e frase seguinte lhe pega pelos pés e coloca sua vida de cabeça para baixo. Alguém ficou doente. Alguém está chegando. Alguém diz que lhe ama. Não importa o quê. Algum deus ferroviário louco puxou a maçaneta, acionou o desvio dos trilhos e meteu o trem do seu destino por outra linha.

Muitas vezes, sequer nos damos conta desse momento. Você conhece alguém em uma festa. Conversam brevemente. Encontram alguns pontos em comum. Você a acha interessante. Tudo acaba de forma breve e a festa continua. Dez anos depois, ela é a sua esposa, amante e a mãe de uma das suas filhas. Foi assim que aconteceu comigo.

Noutras vezes, a realidade vem e lhe dá uma bofetada na cara. Lembro um dia que saia exausto do trabalho; esgotado, sentei no banco do carro e pensei se tinha algum outro compromisso naquela noite. E, então, o tapa. Eu devia ir para o hospital, pois minha filha havia nascido há alguns dias. Eu era pai. Alguém dependia de mim para subsistir. Aquele foi o momento preciso, depois de uma semana de excitação e preocupação, de noites sem dormir, em que a felicidade e a responsabilidade finalmente vieram me dizer que nada mais seria igual. Que eu não teria um compromisso para aquela noite. Teria para todas da minha vida a partir dali.

Os piores, talvez, sejam os momentos de mudança esperados. Os do frio na barriga e ansiedade. Aquele do resultado da prova, da olhada no exame de gravidez de farmácia ou da abertura do e-mail com a proposta de emprego. Momentos em que você hesita um instante antes de embarcar no navio do futuro que o conduzirá para algo bom ou ruim. Desses, a vida está cheia. Conheço várias pessoas que nunca os superaram. Ficaram presas naquele instante, revivendo, sofrendo e imaginando como seria bom se outra coisa tivesse ocorrido. São prisioneiros do passado.

Lembro de um desses momentos na minha adolescência. Eu devia contar a uma namorada que a havia traído. Não era um ato de coragem. Ela saberia de qualquer jeito. Apenas queria que soubesse da notícia por mim e não pelos outros. Eu a peguei em casa, levei para sair e fingi normalidade durante toda a conversa. Olhava-a sabendo estar a instantes de (merecidamente) perdê-la. Fiquei umas duas horas sofrendo com aquilo, até contar. E a perdi.

Algumas mudanças são surreais. Você não acredita que aconteceram e, principalmente, como aconteceram. Lembro que estava no escritório, quando a minha ex-mulher abriu a porta em um gesto decidido e disse, com voz firme e terrivelmente preocupada: “Estamos sendo invadidos”. Não se passou um segundo entre ela dizer isso e continuar com a explicação. Nesse segundo, eu racionalizei o que podia estar acontecendo. Ninguém em sã consciência invadiria o Brasil. E isso incluía até os argentinos, por mais loucos que possam ser. Assim, restavam poucas possibilidades. A Terra estava sendo invadida? Finalmente os extraterrestres haviam chegado? Eu sei que parece loucura. E provavelmente é. Mas foi isso o que cogitei, seriamente, naquele instante, talvez… talvez não, certamente por influência das dezenas de livros de ficção científica que havia lido. Um caso de demência parecido com o de Dom Quixote e seus romances de cavalaria. Mas logo ela emendou, acabando com o meu devaneio. As torres gêmeas haviam sido colocadas abaixo, o pentágono foi atacado e ninguém tinha sequer uma pista de quem estava fazendo aquilo. O mundo mudou naquele dia. Eu, toda vez que vejo as imagens, penso que por alguns segundos acreditei em uma invasão alienígena.

Todos esses momentos são as pedras de fundação da sua história. Eles o fazem o que você é hoje. Conduziram-no para esse lugar e situação. Se são felizes, guarde-os como gemas preciosas em algum cofre da sua mente. Se não são, aprenda a conviver com eles e superá-los. Não há como apagá-los. Mas há, quase sempre, como aceitá-los ou corrigi-los e seguir em frente, tentando chegar no próximo momento que o levará a uma versão melhor de si mesmo.

A vida é dinâmica. Ela sempre está pronta a surpreender, principalmente quem quer ser surpreendido.

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