Sede e Masculinidade Tóxica

Sede e Masculinidade Tóxica

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— Amor, busca um copo de água para mim. — Ela se voltou para o outro lado da cama, puxando o lençol até o pescoço. Seu corpo começava a esfriar e a umidade do suor transformava-se em pontos onde formigava o frio.

— Não.

— Amor…

— Não.

Ela se virou para ele novamente, enrolando-se como uma piorra no lençol e destapando-o completamente. Fez um beicinho e esticou os olhos, imitando o gato de botas do Shrek. Era um recurso apelativo que nunca falhava.

— Não.

A meiga face de desamparo desfez-se em uma careta de guarda de imigração americano examinando alguma mochila.

— Você está falando sério?

— Sim.

— Por que isso?

— Eu refleti sobre a nossa discussão no jantar. Acho que tu tens razão.

— Que discussão?

— Sobre a imposição cultural. Cultura de opressão. Patriarcado. Acho que tens razão sobre tudo isso.

Ela se apoiou nos cotovelos, para olhá-lo um pouco de cima. Ele fitava o teto, com ar sonhador.

— E o que a porra do Patriarcado tem a ver com a minha sede, Márcio? — O tom da voz dela deixava claro que estavam oficialmente entrando em uma briga.

— Absolutamente tudo. No restaurante, eu puxei a cadeira para ti e tomei um esporro. Tu não queria aquela demonstração pública de proteção, não queria se sentir diminuída… Aquilo tudo que tu me falou. Não hora eu não quis alongar, mas me lembrei que tu mesmo me disse, quando saímos a primeira vez, que puxar tua cadeira foi uma das coisas que te atraiu.

— Mas isso não tem nada a ver…

— Calma. Depois foi o garçom. Quando fui passar o teu pedido, tu te atravessou e não me deixou falar. E então veio aquele discurso sobre parar de reproduzir essa cultura de dominação, acabar com esses hábitos de apagamento da mulher do casal. Quando fui ao banheiro, o garçom chegou a fazer uma careta de solidariedade para mim.

— Márcio — ela somente o chamava pelo nome quando estava muito brava — tudo isso para não levantar essa bunda branca da cama, dar vinte passos e me pegar um copo d´água? Aliás, nem quero mais essa água. Acho que vou abrir um vinho e ir para a sala. Até o sono perdi.

Ele não pode contar um pequeno sorriso que lhe escapou pelo canto direito da boca. Logo o engoliu, mas ela percebeu e ficou ainda mais braba.

— Não tem nada a ver com preguiça. Estou em sofrimento. Matando meu velho eu, que está louco para levantar a te trazer a água. Mas não vou te sufocar nessa atitude de macho alfa. De protetor da fêmea. Ao te negar essa água, estou fortalecendo a tua autonomia. Estou dando uma chance de evolução para nós dois.

Ela deu apenas um grunhido e se levantou. A corrosão da raiva acabou com qualquer resquício de relaxamento do sexo. Era incrível como os homens conseguiam transformar tudo em piada. Ela deu dois passos pesados até a porta, quando ele a voz dele veio apelativa.

— Amor!

Ela se voltou, usando a máscara da fúria.

— Aproveita que tu está de pé e me traz uma água?

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