O estupro alegre

O estupro alegre

Download deste Conto em PDF

— Melinda, deixa eu ver aqui.

Ela parou na frente do pai. Usava uma saia que ia até um pouco abaixo da coxa e um projeto de camisa, colada, que deixava a barriga de fora. Não era a roupa que ele a queria ver usando. Era menor, contudo, do que os trapos mínimos e rasgados vestidos pela maioria das amigas dela. Deu de ombros.

— Olha só, faz conforme combinamos.

— Tá pai… — Ela fez um ar de enfado. Sempre ficava com aquela cara, quando ouvia alguma instrução dos pais. Um gesto que surgiu por volta dos treze anos. Um protesto para demonstrar que não era mais uma criança. Aos quinze, tinha se tornado um cacoete dela.

— “Tá pai”, não! Ouve bem. Voltem até às 2 horas da manhã. Nada de bebida. Se der algum problema, liga. A mãe da Carla vai levar e buscar vocês mesmo?

— Sim, pai…

— Preciso ligar para ela?

— Não pai. Já está tudo combinado.

Ele deu um beijo nela com o coração apertado. Era o primeiro baile de carnaval de clube, no qual ela iria sozinha com as amigas.

Quando entrou na caminhonete da mãe de Carla, deu gritos ao beijar cada uma das amigas. As quatro aguardavam aquela festa há dias. Melinda, Carla, Lúcia e Isabel se conheciam desde criança. Cresceram juntas na escola e atravessavam juntas a adolescência. Dentro do carro, Melinda tirou a saia e a camisa, deixando apenas o short justo e a parte de cima de um biquíni decorado com lantejoulas. Todas estavam vestidas da mesma forma, como um mini bloco de carnaval. Pintou-se apressada no caminho para a fresta, dando pequenas risadas quando errava o traço pelo solavanco de algum buraco.

Chegaram cedo na frente do Clube. A mãe de Carla virou-se para elas.

— Está tudo combinado com a pai de Melinda?

— Simmm, mãe…

— Bem, Carla, qualquer coisa… — Simmm, mãe, a gente liga. — Carla a interrompeu e fez o mesmo ar de tédio que Melinda usava com o pai. Elas não queriam que nenhum dos pais fossem buscá-las. Haviam combinado uma carona de volta com o crush de Lúcia, que recém havia feito dezoito anos e ganhou um carro de presente.

O salão estava quase vazio. A festa somente começaria mesmo depois da meia-noite. Sem muito o que fazer, dançaram. Isabel apareceu com um drink.

— O que é? — Perguntou Melinda.

— Bebe. É bom. É docinho.

Melinda cheirou e ficou na dúvida. A cor era linda. Um azul transparente, com uma pequena fumaça saindo pela borda do copo. Bebeu um gole. Era doce. Por baixo da doçura, algo arranhou a sua garganta. Era diferente. Era adulto. Tomou outros dois goles. Beberam, dançaram e riram.

O crush de Lúcia tinha um primo, um ano mais velho do que ele. Felipe. Moreno, com rosto simpático e olhos claros. Melinda nunca havia beijado alguém da idade dele. Aliás, ficar um colega de dezesseis anos tinha sido o seu limite. As amigas olhavam para ela e colocavam a mão na boca, fingindo-se escandalizadas, quando os dois foram dançar sozinhos, fora da roda do grupo. Melinda sentia-se eufórica. Alegre. Desperta. Fez questão de beijar Felipe no meio da pista, para mostrar a todos a sua conquista.

Quando ele a convidou para ir ao carro, enquanto se beijavam encostados em um pilar, ela teve uma pontada de dúvida. Mas queria ir. E achou que Felipe ia ficar decepcionado se não ela fosse.

Em algum momento no carro, Felipe tentou tirar o short dela. Ela segurou a mão dele. Ele sorriu e continuou insistindo. Ficaram nesse jogo, por alguns minutos, até ele se afastar dela.

— Chega de brincar comigo! — A voz dele soou grave pela primeira vez naquela noite.

Ela sorriu, insinuante, mas ficou levemente surpresa e assustada. Ele continuou.

— Você está me provocando a noite inteira. Me trouxe aqui para fora e agora fica se fazendo. Acho que eu sou bobo?

— Não. Está bom assim. Vem aqui. — Ela o trouxe para perto e beijou de novo. Não queria que ele ficasse brabo. Não queria estragar a noite. Ele se entregou ao beijo. Depois de alguns instantes, puxou o short com força para baixo, quase o rasgando. Ela deu um pequeno grito de susto.

— Não!

Mas ele parecia não ouvir. E não ouviu, também, as outras vezes que ela disse não. Assim como ninguém no estacionamento ouviu os protestos dela, que não gritava com toda a sua força, por estar confusa e envergonhada.

Tudo acabou rápido, em meio a um gemido dele. Ela empurrou o corpo inerte, vestiu o short e saiu do carro o mais rápido que podia. Estava dolorida. Voltou quase correndo para dentro do salão. Suas amigas deram assobios quando a viram. Riam. Ela se forçou a sorrir também.

— E aí, o que estavam fazendo? — Carla a olhava, tentando descobrir o que tinha realmente acontecido.

Melinda apenas sustentou o sorriso falso.

— Nada. Depois eu conto.

—Nada é? Mudou de nome agora? — E as três amigas caíram na risada. Ela também riu, sem graça no olhar. Uma pontada de medo lhe varou o peito quando ouviu a voz de Felipe atrás dela. Virou-se, pronta para se defender, mas ele não falava com ela. Ria e batia as mãos no ar com primo, como se tivesse marcado um ponto ou feito uma cesta. Melinda soube imediatamente que ela era o motivo da comemoração. Depois, Felipe a olhou e deu um piscada. Ela desviou o olhar, com nojo. Sentia-se suja e enjoada. Queria tomar um banho e deitar na sua cama. Esquecer aquilo. Queria ligar para o pai buscá-la.

Mas ficou ali.

Com a sua dor sob o sorriso.

Nunca contou o que realmente aconteceu para ninguém.

Comentários