Melhor filme do ano

Melhor filme do ano

A cerimônia de premiação do Óscar bate, novamente, à nossa porta.

Como escolher o melhor filme do ano, em um universo de milhares de produções? Sequer quem trabalha exclusivamente com a crítica consegue assistir a tudo o que é filmado e ganha a tarja de “filme”. Espera-se que as melhores produções, mesmo as realizadas nos rincões culturais do planeta, como o Brasil, em vista do seu sucesso, ganhem suporte (interesse) econômico e sejam distribuídas para os principais mercados. Sabemos, contudo, que este é um processo imperfeito, na melhor das hipóteses. Quantos ótimos filmes nunca conheceremos? Quantos nunca terão uma chance justa de concorrer?

Vamos deixar de lado, contudo, esta análise fria. O melhor do Óscar é, exatamente, o oposto, o calor discussão. O interesse que desperta e a as polêmicas geradas entre aqueles que compõem a própria razão de existir do cinema – o público. Muito mais do que um evento hermético e restrito aos críticos habituais, o Óscar é pop. Ele é a arte colocada em disputa, para atender aos desejos da indústria. É sobre ele que a massa anônima de frequentadores de salas de cinema discute com dedos em riste, por sobre copos de cerveja nos bares mundo afora. E digo mais. São os erros do Óscar, principalmente os grosseiros, que alimentam estas discussões. E erros não faltam.

Como a Academia (ou seja, os mais de oito mil membros da Academy of Motion Picture Arts and Sciences) pôde escolher A Forma da Água e não Dunkirk ou Três Anúncios para um Crime como melhor filme do ano passado? Este é exatamente o tipo de pergunta que mantém o sucesso do Óscar, ao invés de lhe retirar credibilidade. Alimentam a sua fogueira.

Há alguns anos (não muitos), o povo dos trópicos conseguia assistir, quando muito, a dois ou três indicados antes da cerimônia de premiação. O público em geral tentava adivinhar, pelos segundos de cenas que apareciam para cada indicado durante a cerimônia, se o filme deveria ser premiado. A distribuição aos nossos cinemas somente ocorria depois de conhecido o resultado e, muitas vezes, restringia-se aos agraciados com o prêmio. Para os demais, restavam as fitas VHS (quando foram popularizadas) e as mídias que as sucederam. Tempos difíceis, nos quais o conhecimento era restrito e ver todos os indicados, mesmo depois da cerimônia, era algo somente para os “iniciados”.

Nos últimos anos, é possível assistir a todos os indicados antes da premiação. E a indústria se favorece com isso. Em todas as sessões de algum nominado à premiação de melhor filme que vou, em qualquer horário, há público. O público gosta de cinema, gosta do Óscar e gosto é algo difícil de discutir.

E, por falar em gosto, qual o melhor filme deste ano?

É Roma.

Lindo, tanto na estética quanto na humanidade da sua narrativa, é um exercício muito bem-sucedido de domínio da arte de fazer cinema do diretor e roteirista Alfonso Cuarón. Roma faz mais com menos. Transforma cenas banais, como a nuvem de poeira sob fachos sol, em imagens que saltam da tela para acariciar os seus olhos. Concede grandiosidade e dramaticidade a uma história cotidiana, elegendo como personagens principais uma empregada doméstica e a crueza da sua vida. Sob a perspectiva dela, conta, também, os problemas de uma família em desintegração. Uma história aparentemente banal, com a qual nos defrontamos diversas vezes no correr da vida, mas que adquire relevo e significância pelo acerto na narrativo e estético de Alfonso Cuarón.

Há outros competidores sérios? Sim. Bohemian Rhapsody é tudo o que a Academia gosta em um filme. Grandioso, levou multidões ao cinema e fez girar não só a roda da indústria cinematográfica, como a da indústria da música e da própria cultura pop no entorno da banda Queen e de Fred Mercury. Não conheço uma pessoa que não o tenha assistido sem se emocionar. Rami Malek está perfeito e a final é antologicamente construída. Também não pesa contra ele um (provável) preconceito de ter sido produzido para um serviço de streaming e não para as salas de cinema.

Por fora, corre Green Book, que tem nas excelentes atuações de Viggo Mortensen e de Mahershala Ali os seus pilares, faz parte de uma espécie de filme que a Academia adora, a narrativa de estrada, e aborda um tema sempre presente na cinematografia americana, o racismo. Um filme que recomendo, mas que, considerado em seu conjunto, está abaixo de Roma e Bohemian Rhapsody.

E os demais? Pantera Negra, Infiltrado na Klan e Vice tem na própria indicação os seus prêmios. Nasce uma Estrela tem o azar de concorrer no mesmo ano que Bohemian Rhapsody. A Favorita possui excelentes fotografia e direção de arte, boas atuações, mas tem pretensão demais para história de menos. Seu pecado é a arrogância e, com ela, não gera empatia com o público.

Agora é esperar a Academia errar para poder criticá-la.

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