Radical à brasileira

Radical à brasileira

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Tenho uma curiosidade mórbida de conhecer os argumentos utilizados por quem defende o indefensável.

A arte da argumentação, a retórica, o correto encaminhamento de ideias (mesmo quando equivocadas) e o poder de convencimento são fascinantes. Não foi o tamanho do cérebro, o polegar opositor, a invenção do fogo ou outra descoberta que nos fez dominar a terra. O que nos separou dos outros animais foi a linguagem.

Os últimos anos têm sido pródigos para quem colhe aberrações argumentativas. Se elas não fascinam pela elegância, ao menos divertem por sua criatividade.

A tendência atual do pensamento trash é a oposição às vacinas. Não vou entrar no mérito das teorias conspiratórias e alucinógenas, que escoam pelos esgotos virtuais. O ponto dessa crônica é outro: é a pitada “brasileira” nesse assunto.

Os textos de antivacinas brasileiros têm uma estrutura parecida: o autor tenta dar algum carteirada pseudoacadêmica, do tipo “tenho mestrado de coach quântico”. Depois, discorre por vários parágrafos sobre as vacinas existentes, relatando casos de mortes e sequelas variadas. Embrulha tudo com os interesses econômicos envolvidos, realiza algum link incrível com conspirações políticas globais e tenta esse pacote para o campo da política interna e da liberdade individual. E diz, lá pelas tantas, “mas eu me vacinei”.

Como assim você se vacinou!?

Isso é mais ou menos como ler uma receita vegana e ao final descobrir que leva molho de carne.

Se você prestar atenção nos radicais à brasileira, eles geralmente usam essa mesma estrutura de discurso. “Olha, o partido nazista deveria ser permitido, mas eu não sou nazista”. “Acho que o Estado deve cobrir o prejuízo do banco, mas o único caminho é o liberalismo” e por aí vai.

Esse “mas” é como um portal o coração do radical à brasileira. O que vem depois dessa palavra, revela quem ele verdadeiramente é. Toda a tresloucada argumentação anterior é vazia.

Não há como não referir o sábio Tim Maia, que como poucos conhecia o underground da psique brasileira: “Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita”. Um país das pessoas contraditórias.

Ou seja, bem compreendido, o radical à brasileira é um cara equilibrado na sua vida particular. A única função do seu discurso estapafúrdio é esconder isso. Como se dizia antigamente, “para aparecer”. Ou, como dizem os mais novos, para “lacrar”. No máximo, algo para incomodar e iniciar uma discussão com aqueles que querem comer um churrasco tranquilo.

O nosso problema é que o discurso dos radicais à brasileira domina as redes sociais e grande parte da mídia. É muito mais divertido e polêmico ouvir o médico que receita remédio de piolho pra combater vírus do que o burocrata que manda usar máscara.

Estamos virando o país dos que defendem o que não acreditam, falando para quem não sabe dissociar o certo do errado.

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