Honestidade e “caixa 2”

Honestidade e “caixa 2”

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“A honestidade pode ser a melhor política, mas é importante lembrar que, aparentemente, por eliminação, a desonestidade é a segunda melhor política.”
George Carlin, pensador e comediante.

A primeira lição de clara sobre honestidade e responsabilidade da qual me lembro ocorreu quando eu tinha seis anos. Estava na primeira série no colégio e a aula estava um pouco conflagrada. Nada, contudo, que lembre a balbúrdia dos tempos atuais. Apenas havia um pouco mais de conversa e barulho do que o costume. Eu aproveitei aquilo e assobiei. Agudo, alto e claro. Não me lembro do motivo de ter feito aquilo. Talvez, porque recém tivesse aprendido a assobiar e quisesse me exibir. A professora, que estava concentrada em alguma coisa na sua mesa, teve reação, imediata.

— Quem assobiou?

Um silêncio pesado invadiu a sala. Eu, instintivamente, me encolhi. O gelo percorreu a minha espinha. E o silêncio continuou, pesado, denso e asfixiante.

— Quem assobiou?

Ela repetiu, apunhalando o meu coração. Não sei quanto tempo depois, levantei timidamente o dedo, imaginando-me a caminhar para o cadafalso. Eu era um gordinho simpático, com um cabelo farto (saudade dele) e liso, cortado como o de um índio. Daquelas crianças que, mesmo se estivesse com uma faca ensanguentada na mão, provocaria simpatia. Ela balançou a cabeça.
— Eu sabia que era tu. Queria ver se irias assumir o que fez. Se não assumisse, ia para a direção. Não faz isso de novo.
A aula seguiu e eu continuei vivo.
Ninguém está livre de cometer um crime, como assobiar na aula. O que difere um dos outros é, mesmo sem provas, assumir o que fez e aceitar as consequências.

Lembrei imediatamente desse episódio nesta semana, quando ouvi a entrevista de um deputado, publicamente conhecido como defensor ferrenho de medidas contra a corrupção. Um dos políticos que eu, apesar de não concordar com a linha ideológica, respeitava por não ter máculas aparentes no seu passado.

O deputado em questão assumiu, emocionado e com voz levemente embargada, ter recebido dinheiro de um grupo de empresas por meio do chamado “caixa 2”. Um grupo de empresas que negocia milhares de produtos, dentre eles os políticos. Nosso deputado dizia “dever” aquela confissão à sua história, à sua família e aos seus eleitores. O reconhecimento público do malfeito era, assim, utilizado como se fosse uma declaração de honestidade.

Primeiro, vamos esclarecer alguns conceitos.
O chamado “caixa 2” é um nome bonito e carinhoso que alguém inventou para o pagamento ilícito de dinheiro. Outros termos como propina, suborno e “bola” eram feios demais e depreciativos. Assim, criaram o “dinheiro não contabilizado”, utilizado apenas para campanha eleitoral, como algo que “todo mundo faz”. Quantas vezes já ouvimos esse discurso, não? E o pior é que continuaremos ouvindo, se não fizermos algo.

O dinheiro pago por empresas e pessoas físicas para políticos e agentes públicos sem qualquer registro é um crime. Simples assim. Quem paga é um criminoso. Quem recebe é um criminoso. E a vítima somos eu e você.

Não se sabe e não se saberá, exatamente por ter sido burlada a escrituração que a lei exige, por qual motivo a quantia foi paga e qual destino ela teve. Pode ter sido utilizada para bancar a publicidade eleitoral, para comprar eleitores, para presentear a amante do político com uma joia ou para adquirir um lote de armas destinadas a traficantes.

Qualquer pessoa com integridade não receberia valores dessa forma, ainda mais enquanto candidato ou estando no exercício de uma função pública.

A admissão que o nosso deputado, entre outros, faz DEPOIS de ser delatado e de serem apresentadas provas do pagamento nada mais é do que uma tentativa de não ser responsabilizado pelo o seu crime ou de ter a sua pena reduzida. Ou seja, é uma tentativa de cair sem descer.

Este texto não tem qualquer conotação ideológica. É um texto sobre a moral. Acima de qualquer posição política, a sociedade brasileira precisa fazer um pacto estrito pela busca da honestidade. Os tempos exigem medidas duras. Aos nossos futuros eleitos, não bastará simplesmente ser honestos, eles deverão também parecer honestos, como a mulher César. Sobre eles não deve pesar qualquer suspeita. Alguns, acusados de forma errada ou mesmo de forma maldosa, podem ser prejudicados, reconheço. Serão eles vítimas desse processo no lugar de toda a sociedade, que é vítima do atual sistema político.

Se queremos sobreviver como sociedade democrática, está na hora de um pacto e uma guinada em direção à honestidade.

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