A socialização da pobreza

A socialização da pobreza

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“Notícias: gente rica pagando para
gente rica dizer para a classe média
que a culpa é da gente pobre.”
Autor desconhecido

Seis indivíduos brasileiros concentram uma renda equivalente a de 100 milhões das pessoas mais pobres do Brasil. Você não leu errado. Vou tentar deixar mais claro:

6 mais ricos = 100.000.000 mais pobres.

O estudo realizado pela Oxfam, uma organização sem fins lucrativos, foi divulgado em setembro de 2017 e pouco noticiado pela nossa imprensa. Para a mídia não interessam esses números.

Há outros dados que também são surpreendentes. Os 5% mais ricos, detém uma renda equivalente a todos os 95% restantes da população.

Esses são os números da nossa desigualdade e da nossa vergonha como sociedade. Não há como construir um país minimamente justo, em qualquer sistema político e econômico, sem tentar diminuir esses extremos.

Ao clamor pela redução dessa enorme disparidade, nossos governantes nos oferecem medidas como o contrato de trabalho intermitente. Essa medida, segundo afirmam, reduzirá o desemprego e incentivará a retomada do crescimento do país.

Um anúncio de novembro chamou a minha atenção. Uma rede de supermercados aderiu às novas regras trabalhistas e está contratando 50 caixas para uma jornada intermitente. Cada um vai trabalhar quatro horas, seis dias por mês, ganhando R$ 4,81 por hora. Ao final do mês, receberão R$ 115,44. A empresa terá um custo bruto mensal (só com salário) de R$ 5.772.

Vou precisar fazer mais alguns cálculos simples para demonstrar o meu ponto.

Juntos, esses empregados vão trabalhar 1.200 horas por mês ao todo. Seriam precisos cinco e “meio” empregados mensalistas para trabalharem um número equivalente de horas (5,5 x 220 horas = 1210 horas). Se cada um deles ganhasse um salário mínimo, a empresa gastaria R$ 5.135,50 por mês.

Ou seja, trocamos 5,5 trabalhadores com um salário que poderia sustentar (mal, mais ainda assim sustentar) sua família, por cinquenta que receberão R$ 115,44 por mês.

Nós pedimos para socializar um pouco da riqueza. Eles socializaram a pobreza.

Claro, quem defende essa forma de contratação dirá que o aproveitamento de horas dos intermitentes é melhor para o empresário. O chamado para o trabalho pode ocorrer na medida da necessidade do negócio. A dispensa do trabalhador é mais barata. Os trabalhadores podem estabelecer diversos vínculos … Tudo isso, é verdade. E tudo isso também é a prova de que caminhamos na direção errada.

Um trabalhador que ganha R$ 115,44 em cada emprego, se for chamado para trabalhar todas as horas contratadas, o que não é garantido, precisará de mais de oito empregos para ganhar um salário mínimo.

Como conseguir e compatibilizar os horários de oito empregos? E o tempo de deslocamento entre eles? E os custos e problemas acessórios, como deixar os filhos em jornadas de trabalho erráticas no correr da semana, e os horários de lazer com a família? Esses são só alguns problemas, há muitos outros.

Dois pais com 16 empregos, ganhando dois salários mínimos por mês. É isso que projetamos como modernidade?

Para o governo, trocar cinco empregados mensalistas por cinquenta intermitentes é o milagre da multiplicação estatística. Daqui a alguns meses, o desemprego formal reduzirá e isso será alardeado como uma conquista. Os empresários, por sua vez, ficarão felizes com a redução dos “custos” de mão de obra. Talvez até mesmo o PIB comece a retomar o seu crescimento.

Para além dos números, no mundo real, todos estaremos cavando juntos e afundando aquele enorme fosso que separa os poucos com muito dos muitos com pouco.

Eles olham com olhares ávidos.

Chegará um dia em que pularão o fosso.

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