A alegria obrigatória da mulher triste

A alegria obrigatória da mulher triste

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Todos levantaram as suas taças para mais um brinde. As dezenas de copos se chocaram com força demasiada. Pingos de champanhe caíram sobre o extenso tapete persa. Ouvira-se sorrisos, entremeados por outras frases desconexas acerca do motivo do brinde. Qualquer razão servia.

Milena elevou o copo e sua mão seguiu a dos outros. Sorriu, como devia fazer. Manteve o sorriso rebocado em seu rosto. Por cima de tudo, a maquiagem, que escondia os olhos vermelhos e uma certa palidez. Máscaras sobre máscaras. Continuava em sua primeira taça, que às vezes levava aos lábios, em uma insinuação de gole. Ninguém ali estava contando ou se importava com o quanto cada um bebia.

Setenta dias. A contagem voltou à sua mente. Setenta dias nos quais teve outra vida. Foi outra pessoa. Imaginou-se diferente. Melhor. Completa. Em que sua vida adquiriu foco e sentido.

— Você não acha? — ouviu, de repente, a pergunta direcionada a ela.

Sem demonstrar a sua insegurança, ela achou melhor balançar a cabeça, concordando. Ficou aliviada ao ver que a resposta foi correta. Michel, o colega de trabalho do marido, deu-se por satisfeito e prosseguiu a sua história. Milena esforçou-se para manter a concentração. Não queria ser novamente surpreendida. Não queria levantar suspeitas.

O caso envolvia o estranho relacionamento de Michel com um dos seus subordinados. Nas entrelinhas dos episódios de atrito e do desprezo que Michel tentava transmitir, via-se que o jovem era esperto, talentoso e ambicioso. Incomodava o seu chefe a ponto de ser objeto da fala dele por vários minutos. Milena estava acostumada a acompanhar a carreira do marido. Conseguia ver a verdade sob aquele discurso. A tensão corporativa. O desejo de o jovem subir na carreira e derrubar o chefe que queria se manter no alto. A dinâmica de qualquer disputa de poder em um grupo de mamíferos.

Perdeu novamente o fio da meada, apesar do esforço. Sua mente insistia em vagar para fora daquela sala. Quase três meses. A força das histórias que construiu era tão forte que já fazia parte da sua vida. Ela o segurou, o alimentou e o trocou. Riu e chorou com ele. Teve-os nos braços e o viu partir para a vida. Fez listas intermináveis de coisas a fazer e a comprar. Imaginou o quarto. Sentiu seus seios crescerem e ficar sensíveis. Sentiu-o pulsar dentro dela.

— Amor? — O marido segurou a mão dela e apertou levemente. — Tudo bem?

Ele percebeu que Milena estava um pouco ausente, mas a pergunta era retórica. O que poderia estar errado? Ela provavelmente estava apenas cansada do dia no escritório. Se ele efetivamente a olhasse, veria a tristeza sob o rímel.

— Sim, querido, está tudo bem. — Ela lhe garantiu, abrindo um pouco mais o sorriso pré-fabricado.

Tendo cumprido a sua função de marido atencioso, ele voltou novamente sua atenção para Michel. Ela teve a vontade de se afastar, mas se manteve ali. Imóvel por fora, dissolvida por dentro.

Amanhã era o dia que ela iria contar a ele. Até o terceiro mês, sempre havia uma incerteza. Não queria que ele alimentasse falsas esperanças e ficasse frustrado, como das outras vezes. Enquanto isso, ela mesmo se perdeu nas suas. Permitiu-se envolver pelo abraço confortável das ilusões. Foi jogada de volta à realidade em meio a uma reunião, por uma forte cólica. Sozinha no banheiro, todo o seu futuro mudou. Voltou a ser apenas quem era. Nada mais do que era.

Continuou sorrindo.

Ao redor deles, brotavam risadas ocasionais.

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